A SOCIEDADE URBANA

O Bicho

Manuel Bandeira

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.




O CAOS URBANO E SOCIAL

Certamente o problema mais grave e cruel de toda grande cidade está em nossas ruas, tanto pela insegurança que vivemos no dia a dia, como pelo próprio crescimento desordenado das nossas cidades, isto olhando os aspectos urbanos de transito e também de habitação popular.

O problema urbano no Brasil é grave e obviamente se não tivermos soluções imediatas para o caos que está instalado em nossas vias de trafego, em poucos anos seremos reféns de nossas ruas abarrotadas de carros, porém o questionamento mais grave que ocorre em torno de soluções urbanas certamente é o habitacional, que envolve favelas, moradores de rua e pessoas em situações de extrema pobreza e miséria dentro do circulo social.

Logicamente nestes aspectos o morador de rua assume condições desumanas de vida e mais ainda, constrange e agride uma enorme parcela da população que tem extrema dificuldade de identificar o assaltante, do frágil e debilitado habitante de nossas ruas que deseja apenas uma esmola para conseguir chegar ao final do dia alimentado precariamente.

È um gravíssimo problema que enfrentamos em nosso país e as nossas cidades tem a obrigação política e social de conduzir esta questão com mais seriedade para não corrermos o risco de perdermos definitivamente o controle da situação.
Em pesquisa realizada na cidade de Porto Alegre em 1995 existiam 222 moradores de rua cadastrados oficialmente na capital gaúcha, hoje passados pouco mais de 10 anos o numero oficial já ultrapassa 1.500 pessoas e tende a aumentar vertiginosamente em virtude do aumento significativo de casos de alcoolismo, drogas e outras mazelas sociais da nossa sociedade.

Diga não a tudo isto e imagine uma cidade melhor para todos.

Participe, construa e renove sua cidade.

Paulo Katz


MORADORES DE RUA

O trabalho com os integrantes do jornal Boca de Rua – pessoas em situação de rua de Porto Alegre – tem me ensinado que, mais do que ser politicamente corretos, temos que ser politicamente e sensivelmente humanos para trabalhar em projetos com esta parcela da população. É um aprendizado doloroso e constante. Doloroso porque não se trata de um trabalho apenas para preencher uma monografia de faculdade, mas de recolher e ajudar a ordenar na forma de notícia (no caso do Boca de Rua) histórias de vidas abandonadas, violentadas, humilhadas pelo desprezo alheio, que ainda preservam em sua essência o desejo do amor, do carinho, da atenção, do respeito – coisas pelas quais todos ansiamos. E constante, porque exige um repensar freqüente de valores.

O que é certo e o que é errado, afinal de contas? Que cidade é esta em que vivemos em que os ditos “cidadãos de bem” se trancafiam em suas casas atrás de grades e fecham o vidro do carro rapidamente diante de pedintes que podem ser assaltantes? Vive-se com medo do outro. Um outro que pode, de fato, matar. Mas tem também um outro que simplesmente vive na praça, não quer saber de violência, a não ser como autodefesa diante da própria fragilidade. Uma pessoa que quer o direito de permanecer e circular pelas ruas, sem ser espancado ou barrado por quem quer que seja.

O jornal Boca de Rua é um projeto em construção. Para seus integrantes, é um passo em direção à reconquista da auto-estima. Ali eles não são números de estatísticas do governo, são simplesmente gente. Para a equipe formada por uma estudante de Jornalismo, um psicólogo e uma jornalista, é a forma encontrada de tentar mudar algo, ainda que minúsculo, na estrutura injusta e desumana da sociedade em que vivemos.

Quando penso no enorme vão que separa a sociedade em grupos distintos e com direitos desiguais, lembro de uma experiência pela qual passei recentemente. Num curso para ensinar os profissionais da imprensa a prevenir riscos em coberturas jornalísticas, um grupo de jornalistas foi levado para uma “selva” simulada para aprender noções de sobrevivência: como tirar da natureza a comida, a bebida e o abrigo de que precisam. Naquele dia, sem saber que não voltariam ao alojamento, tomaram o café da manhã e saíram com as vestes do corpo e uma mochila (onde deveriam ter apetrechos de sobrevivência). Ao longo do dia, souberam que teria de aplicar, na prática, as lições do dia e, juntos, coletivamente, pensar na sobrevivência.

Imediatamente começaram os conflitos: parte do grupo se revoltou e não conseguia fazer absolutamente nada, a não ser reclamar e tentar fugir do lugar. Outros se uniram para fazer uma fogueira (a noite estava muito fria) e assar uma galinha, na expectativa de, no dia seguinte, voltar ao alojamento.

Recordo dos comentários das pessoas no entorno da fogueira: reclamações de frio, fome, sono, sensação de abandono. Um deles, num determinado momento, sem conseguir dormir, chegou a comentar: “Agora entendo como devem se sentir os moradores de rua”.
Tentar colocar-se no lugar do outro talvez seja o início de um caminho, certamente não é o único e nem o melhor. É muito fácil desprezar e pisar quem não tem nada, nem auto-estima, nem bens materiais. Tudo na rua parece descartável, inclusive alguns sentimentos, que é para não doer tanto. Nos abrigos, eles são números. Nas manchetes dos jornais, são bandidos e mendigos. Na vida real, podem ser qualquer pessoa que tenha perdido a casa, a família, a confiança nos governantes, a privacidade, a aparência de ser igual aos outros.

Clarinha Glock
Jornalista
Março de 2007



03/08/2006 - 15h49
Moradores de rua lotam albergue de Porto Alegre após mortes por frio
da Folha Online

Sobrou apenas uma cama no albergue da Fasc (Fundação de Assistência Social e Cidadania), ligada à Prefeitura de Porto Alegre (RS), na madrugada desta quinta-feira. Devido às baixas temperaturas, a fundação intensificou a abordagem a moradores de rua. Na madrugada anterior, dois haviam morrido em decorrência do frio.

Na quarta-feira (2), uma mulher com cerca de 40 anos foi encontrada morta na praça central de Viamão; e um homem de 36 anos foi achado morto em um estacionamento de Ametista do Sul.

Na capital Porto Alegre, entre as 19h de quarta e as 7h30 desta quinta, os moradores de rua ocuparam 149 das 150 camas. Nas abordagens nas ruas, que são realizadas mediante solicitação da população, ao menos mais dois aceitaram ser levados para o local.

O número de vagas, inclusive, foi elevado na semana passada, de 120 para 150; para atender o aumento do número de pedidos no inverno.

Os moradores de rua que resistiram à abordagem das equipes do albergue receberam cobertores.

Os profissionais da Fasc trabalham para manter os moradores de rua na rede municipal de assistência. Do albergue, onde são convidados para passar a noite e tomar café da manhã; os moradores de rua podem seguir para centro de convivência, de maior estabilidade; e, por fim, para abrigos, onde recebem orientação psicológica e de assistentes sociais.



Prefeitura pesquisa moradores de rua de Porto Alegre

Porto Alegre, 10 (Agência Brasil - ABr) - A prefeitura de Porto Alegre e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) divulgaram esta semana os resultados de uma pesquisa qualitativa sobre ''A realidade do morador de rua de Porto Alegre'', realizada entre 1994 e 95, com uma população adulta estimada em 222 pessoas.

Problemas de relacionamento familiar são apontados por 28,8 por cento dos pesquisados como a causa que os levou a habitar as ruas. Rejeição, exploração e abandono foram os problemas mais citados. Drogas e álcool foram citados por 22,5 por cento e 7,6 por cento alegaram ter sido falta de condições de pagar moradia. Com relação à forma de alimentação, 19,8 por cento disseram que se mantém através de doações de moradores do bairro, 18,9 por cento de bares e restaurantes, 18 por cento compram alimentos com recursos de mendicância, 15,8 por cento com recursos de biscates e 6,8 por cento de sopões públicos.

Os dados indicam que esses indivíduos não tem uma relação pacífica com a sociedade e também entre si. A briga entre moradores de rua envolve 15,8 por cento do universo pesquisado. O maior temor dessas pessoas são as gangues de adolescentes de rua. Com a sociedade, a violência contra os indigentes é expressa por pedradas de adolescentes, discriminação e ofensas de pedestres. A atitude frente à sua própria situação de indigência apontou que 53,2 por cento são passivos, sendo que 32,9 por cento dos 222 moradores de rua da capital gaúcha sentem-se inconformados ou agressivos. Estes itens, segundo interpretações da pesquisa, indicam como sendo o que resta de lucidez e vontade concreta de sair dessa situação. (João Menoni)

O CRESCIMENTO DO NÚMERO DE MORADORES DE RUA

O fenômeno do crescimento do número de moradores de rua, não é uma exclusividade dos gaúchos, dos brasileiros, ou mesmo do chamado terceiro mundo. Faz parte de um processo mundial que globaliza a exclusão social. O fim da Guerra Fria, do Estado de Bem Estar Social e o advento do neoliberalismo expõe as chagas mais ardentes da sociedade capitalista. Estados Unidos, França, Canadá, entre outros países também se vêem diante desse “problema”. Em 1994 (SLAGG, N.B., LYONS J.S., COOK J.A. A Profile of Clients Served by a Mobile Outreach Program for Homeless Mentally Ill Person), um estudo sobre os desabrigados de Chicago, observava que 70% dos moradores de rua tinham transtornos mentais, 16% eram alcoólatras e 12% apresentavam problemas de drogadição.

Em nosso trabalho de reportagem, tomamos como exemplo a Cidade Baixa, bairro central da capital gaúcha, conhecido por sua variedade de bares e restaurantes e ampla vida noturna, que tornou-se um reduto de moradores de rua. Ao transitar pelas calçadas é necessário o cuidado de não pisar sobre as “camas” espalhadas pelo chão. Poderia ser o Centro, o Bairro Floresta, o Menino Deus, o Parque da Redenção, as pontes da Avenida Ipiranga, a Orla do Guaíba, o Viaduto da Borges, ou qualquer outro local. Eles estão em toda a parte.

A Fasc (Fundação de Assistência Social e Cidadania) é o órgão da Prefeitura de Porto Alegre responsável pelos programas e serviços que deveria promover direitos e a inclusão dos cidadãos que estão em situação de risco e vulnerabilidade social e articular a rede de atendimento composta por unidades do município e organizações não-governamentais conveniadas. Segundo a Fundação, a última pesquisa sobre moradores de rua foi realizada em 2004. Os dados indicam 1.300 moradores de rua adultos e 680 crianças e adolescentes. Um convênio fechado (apenas) em outubro deste ano com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) realizou uma nova pesquisa que terá seus dados divulgados em janeiro de 2008.

Outros dados sobre os moradores de rua, informados por Mauro Vargas Jr, é que o perfil destes situa-se na faixa etária entre 19 e 24 anos, excluídos de convívio familiar, atraídos pela drogadição, consumidores de craque. As estatísticas vêm do contato estabelecido pelos profissionais de assistência social da Fundação.

O PERFIL

A situação de rua fica explicita na história da jovem M.S., negra, 16 anos, que perambula pelas esquinas da Av. Ipiranga. Ela está nas ruas há muito tempo, mas não sabe precisar quanto. Acha que tinha 11 anos, quando fugiu do abuso sexual do pai alcoólatra, da conivência da mãe e da agressão de ambos. Ela diz que “nunca foi virgem”, pois não lembra quando foi abusada sexualmente pela primeira vez. Acha que desde o berço. Conta que foi estuprada pelo pai, por tio, vizinho... Fugiu de casa e foi parar numa das pontes da Av. Ipiranga.

Lá conheceu o jovem Paulo, que ela chama de marido. Ele a acolheu, para dormir sob um papelão e, para matarem a fome, na época ofereceu-lhe “cola de sapateiro”. Hoje, os dois e os companheiros de rua consomem craque. Para comer e/ou conseguir a droga, eles pedem nas sinaleiras e ela se prostitui. Diz que pratica sexo oral por R$ 2,00 à R$ 5,00. Não sabe se tem Aids. Disse que nunca fez nenhum exame e também nunca foi abordada pela “Prefeitura”. O órgão estatal que ela conhece bem é a polícia.

De fato, nunca, como hoje, se viu as ruas, praças, viadutos, parques da capital gaúcha tomada por tantos moradores de rua, vivendo sob condições absolutamente desumanas, sujeitos a conflitos, fome, doenças e violência permanente. Poderia ser desnecessário pesquisas, pois a exclusão cresce à olho nu, diante do povo porto-alegrense. Os pedintes, os moradores de rua, os mendigos que se espalham por Porto Alegre são a expressão máxima do capitalismo, uma sociedade que exclui, que agudiza as questões sociais. A solução de tal problema passa pela transformação social, mas políticas públicas, que reduzam os danos desse imenso contingente de seres humanos, são tarefas do poder público, hoje.

O ESTUDO TÉCNICO

1. INTRODUÇÃO:

O presente projeto de pesquisa descreve proposta de pesquisar a população de rua de POA bem como a montagem do Núcleo de Estudos sobre População de Rua de Porto Alegre a ser realizado em parceria pelas instituições - HCPA- Serviço de Psiquiatria, PMPA/ FESC, PUCRS /FSS, UFRGS / FAMED e OMS - Centro Colaborador de Pesquisa em Saúde Mental do RS. O estudo visa a investigação quanti-qualitativa dos sujeitos que habitam logradouros públicos no município de Porto Alegre.

A pesquisa pretende avaliar características e modo de vida de sujeitos ou grupos que vivem sob pontes e viadutos, praças, parques ou logradouros da cidade.

É necessário reconhecer que vivemos um momento histórico desconfortável, marcado pelo fenômeno da globalização, agudização da questão social e seu corolário de desequilíbrios, mascaramentos, conflitos, desigualdades, exclusões. O morador de rua, sem dúvida é a expressão máxima desse processo, diante de nossos olhos, em números cada vez mais expressivos, desafiam os serviços sociais a apresentarem alternativas que possibilitem a sua inclusão.

Mas para que se possa desenvolver estratégias eficazes de intervenção junto a este segmento populacional, de caráter político, social e médico, é necessário uma avaliação mais profunda a cerca de suas características, histórias, valores, significados atribuídos, estratégias de sobrevivência, estrutura pessoal, condições de vida e saúde física e mental. Verifica-se, no entanto, que há poucos estudos com esta conotação e muito menos com abordagem interdisciplinar. Tal abordagem possibilita uma visão mais profunda e completa, pois contempla os múltiplos condicionamentos que compõem o cotidiano destes sujeitos. É necessário que sejam verificados os fatores que contribuem significativamente para determinar os processos que levam estes sujeitos a terem a rua como estratégia de sobrevivência, o que passa pelo levantamento de dados quantitativos, mas também por análises qualitativas - envolvendo questões subjetivas - pela leitura do seu cotidiano e pelos significados a ele atribuídos, pelo seu estado de saúde mental, bem como por uma articulação com a realidade social mais ampla.

É importante salientar que este fenômeno não se restringe aos chamados países de III Mundo, verifica-se uma preocupação crescente com os "homelless" dos EUA, Canadá, França, entre outros países que estudam o fenômeno e buscam desvendar os motivos para o significativo aumento de pessoas que habitam as ruas das grandes metrópoles. Por outro lado, alguns estudos apontam subsídios para estabelecer a relação entre o status de saúde mental desta população e sua história de vida vinculada a situação de rua.

O estudo aponta que, segundo a representação dos entrevistados, os principais motivos arrolados para justificar a busca da rua como espaço de moradia foram problemas de relacionamento familiar (28,8%) e a dependência de alcool/drogas (22,5%). O mesmo estudo mostra que como características comuns apresentam histórias de sucessivas perdas, onde se incluem o trabalho, a casa, a família e a própria auto-estima. Aponta também um índice significativo de sujeitos que não apresentaram condições de fornecer informações (30% do universo entrevistado) devido a desorganização mental em que se encontravam por ocasião da entrevista ( REIS et al., 1996).

Não há dúvidas que o referido estudo lança novas luzes a respeito do tema, apontando características deste segmento populacional, a partir de nosso contexto social. No entanto, é necessário reconhecer que, considerando a relevância e complexidade do tema, novas constatações virão a partir de leituras que abarquem a contribuição de outras áreas, como a psiquiatria, ou mesmo espaços para a utilização de técnicas alternativas de pesquisa social para o aprofundamento de temas relativos à área social que apenas foram tangenciados por esta primeira aproximação.

Cedecondh discute situação de moradores de rua

Baseada em pesquisa do Instituto Methodus, divulgada em agosto, na qual 60% dos entrevistados apontou um acréscimo no número de crianças e adolescentes nas ruas da capital, a Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh) da Câmara Municipal convocou entidades envolvidas com a questão para debater e propor alternativas de resolução do problema. A reunião foi realiza nesta terça-feira (25/9), na Câmara Municipal.

De acordo com Márcia Nectoux, representante da Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), o enfrentamento da situação é complexo. “Nossa falta de estrutura é muito grande. Além dos recursos escassos, nosso corpo técnico e nossos equipamentos são restritos”, justificou. Para ela, o processo de retirada destes moradores das ruas é demorado, pois exige ações combinadas e multidisciplinares dos diferentes órgãos da prefeitura.

O policial militar Diego Terra concorda. Segundo ele, não adianta as entidades ou as secretarias realizarem ações individuais e abordagens específicas se não houver um conjunto de atuações padronizados na gestão. “É necessário que a Secretaria de Saúde, de Direitos Humanos, por exemplo, ajam com os mesmos mecanismos, baseados nas mesmas diretrizes. Infelizmente isto não acontece”, lamentou.

Segundo levantamento realizado pela FASC existem cerca de 1.500 moradores de rua cadastrados em abrigos na cidade. Entretanto, para o agente de saúde e ex-morador de rua, Odair Barbosa, a solução não está apenas em deslocar as pessoas para casas de acolhimento, “mas instruí-los, tratá-los e orientá-los para que resolvam dois de seus maiores problemas: drogadiação e alcolismo".



“Mais difícil do que ter uma grande idéia é reconhecer uma. Especialmente se for de outra pessoa!" Washington Olivetto